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Normas Éticas para a utilização das técnicas de Reprodução Assistida

Considerando a necessidade de harmonizar o uso das técnicas de reprodução assistida com os princípios da ética médica, o CFM publicou recentemente novas normas a serem seguidas no emprego das técnicas de RA. Leia abaixo conteúdo na íntegra da nova resolução:

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Publicado em: 15/06/2021 | Edição: 110 | Seção: 1 | Página: 60

Órgão: Entidades de Fiscalização do Exercício das Profissões Liberais/Conselho Federal de Medicina

RESOLUÇÃO CFM Nº 2.294, DE 27 DE MAIO DE 2021

Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.168, publicada no DOU de 10 de novembro de 2017, Seção 1, pág. 73.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pelo Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e associada à Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, e ao Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015, e

CONSIDERANDO a infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO o aumento das taxas de sobrevida e cura após os tratamentos das neoplasias malignas, possibilitando às pessoas acometidas um planejamento reprodutivo antes de intervenção com risco de levar à infertilidade;

CONSIDERANDO que as mulheres estão postergando a maternidade e que existe uma diminuição da probabilidade de engravidar com o avanço da idade;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite auxiliar nos processos de procriação;

CONSIDERANDO que o pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5 de maio de 2011, ao julgar a ADI 4.277 e a ADPF 132, reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO o disposto na Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, que aprova o Código de Ética Médica, em seu artigo 15; e

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 27 de maio de 2021, resolve:

Art. 1º Adotar as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º Revogar a Resolução CFM nº 2.168, publicada no Diário Oficial da União (D.O.U.) de 10 de novembro de 2017, Seção I, p. 73, a Resolução CFM nº 2.283, publicada no D.O.U. de 27 de novembro de 2020, Seção I, p. 391, e as demais disposições em contrário.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Presidente do Conselho MAURO LUIZ BRITTO RIBEIRO

Secretária Geral DILZA TERESINHA AMBRÓS RIBEIRO

ANEXO

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

I – PRINCÍPIOS GERAIS

  1. As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar no processo de procriação.
  2. As técnicas de RA podem ser utilizadas para doação de oócitos e na preservação de gametas, embriões e tecidos germinativos por razões médicas e não médicas.
  3. As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista possibilidade de sucesso e baixa probabilidade de risco grave à saúde do (a) paciente ou do possível descendente.

3.1 A idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de RA é de 50 anos.

3.2 As exceções a esse limite serão aceitas com base em critérios técnicos e científicos fundamentados pelo médico responsável quanto à ausência de comorbidades da mulher e após esclarecimento ao (s) candidato (s) quanto aos riscos envolvidos para a paciente e para os descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando a autonomia da paciente e do médico.

  1. O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido será elaborado em formulário específico e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão entre as partes envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.
  2. As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente.
  3. É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
  4. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as seguintes determinações, de acordo com a idade:
  5. a) mulheres com até 37 (trinta e sete) anos: até 2 (dois) embriões;
  6. b) mulheres com mais de 37 (trinta e sete) anos: até 3 (três) embriões;
  7. c) em caso de embriões euploides ao diagnóstico genético; até 2 (dois) embriões, independentemente da idade; e
  8. d) nas situações de doação de oócitos, considera-se a idade da doadora no momento de sua coleta.
  9. Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.

II – PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA

  1. Todas as pessoas capazes que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente.
  2. É permitido o uso das técnicas de RA para heterossexuais, homoafetivos e transgêneros.
  3. É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do (s) oócito (s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.

III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, pela coleta, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes submetidos às técnicas de RA. Devem apresentar como requisitos mínimos:

  1. Um diretor técnico (obrigatoriamente um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição) com registro de especialista em áreas de interface com a RA, que será responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;
  2. Um registro permanente das gestações e seus desfechos (dos abortamentos, dos nascimentos e das malformações de fetos ou recém-nascidos), provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões;
  3. Um registro permanente dos exames laboratoriais a que são submetidos os pacientes, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças;
  4. Os registros deverão estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

  1. A doação não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
  2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação de gametas para parentesco de até 4º (quarto) grau, de um dos receptores (primeiro grau – pais/filhos; segundo grau – avós/irmãos; terceiro grau – tios/sobrinhos; quarto grau – primos), desde que não incorra em consanguinidade.
  3. A idade limite para a doação de gametas é de 37 (trinta e sete) anos para a mulher e de 45 (quarenta e cinco) anos para o homem.

3.1 Exceções ao limite da idade feminina poderão ser aceitas nos casos de doação de oócitos e embriões previamente congelados, desde que a receptora/receptores seja (m) devidamente esclarecida (os) dos riscos que envolvem a prole.

  1. Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, com ressalva do item 2 do Capítulo IV. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para os médicos, resguardando a identidade civil do (a) doador (a).
  2. As clínicas, centros ou serviços onde são feitas as doações devem manter, de forma permanente, um registro com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com a legislação vigente.
  3. Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um (a) doador (a) tenha produzido mais de dois nascimentos de crianças de sexos diferentes em uma área de 1 milhão de habitantes. Um (a) mesmo (a) doador (a) poderá contribuir com quantas gestações forem desejadas, desde que em uma mesma família receptora.
  4. Não será permitido aos médicos, funcionários e demais integrantes da equipe multidisciplinar das clínicas, unidades ou serviços participar como doadores nos programas de RA.
  5. É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em RA, em que doadora e receptora compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA.
  6. A escolha das doadoras de oócitos, nos casos de doação compartilhada, é de responsabilidade do médico assistente. Dentro do possível, deverá selecionar a doadora que tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora, com a anuência desta.
  7. A responsabilidade pela seleção dos doadores é exclusiva dos usuários quando da utilização de banco de gametas ou embriões.
  8. Na eventualidade de embriões formados de doadores distintos, a transferência embrionária deverá ser realizada com embriões de uma única origem para a segurança da prole e rastreabilidade.

V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

  1. As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, oócitos, embriões e tecidos gonadais.
  2. O número total de embriões gerados em laboratório não poderá exceder a 8 (oito). Será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução. Os excedentes viáveis serão criopreservados. Como não há previsão de embriões viáveis ou quanto a sua qualidade, a decisão deverá ser tomada posteriormente a essa etapa.
  3. No momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um deles ou de ambos, e se desejam doá-los.
  4. Os embriões criopreservados com três anos ou mais poderão ser descartados se essa for a vontade expressa dos pacientes, mediante autorização judicial.
  5. Os embriões criopreservados e abandonados por três anos ou mais poderão ser descartados, mediante autorização judicial.

5.1 Embrião abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram o contrato preestabelecido e não foram localizados pela clínica.

VI – DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTACIONAL DE EMBRIÕES

  1. As técnicas de RA podem ser aplicadas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças, podendo nesses casos ser doados para pesquisa ou descartados, conforme a decisão do(s) paciente(s), devidamente documentada com consentimento informado livre e esclarecido específico. No laudo da avaliação genética, só é permitido informar se o embrião é masculino ou feminino em casos de doenças ligadas ao sexo ou de aneuploidias de cromossomos sexuais.
  2. As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem do Antígeno Leucocitário Humano (HLA) do embrião, no intuito de selecionar embriões HLA-compatíveis com algum irmão já afetado pela doença e cujo tratamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de acordo com a legislação vigente.
  3. O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será de até 14 (quatorze) dias.

VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução podem usar técnicas de RA para criar a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação, ou em caso de união homoafetiva ou de pessoa solteira.

  1. A cedente temporária do útero deve ter ao menos um filho vivo e pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Demais casos estão sujeitos a avaliação e autorização do Conselho Regional de Medicina.
  2. A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial e a clínica de reprodução não poderá intermediar a escolha da cedente.
  3. Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário da paciente:

3.1 Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;

3.2 Relatório médico atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;

3.3 Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero que receberá o embrião em seu útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

3.4 Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s) de serviços de RA, públicos ou privados, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;

3.5 Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes, devendo essa documentação ser providenciada durante a gravidez;

3.6 Aprovação do(a) cônjuge ou companheiro(a), apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.

VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM

É permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

IX – DISPOSIÇÃO FINAL

Casos de exceção não previstos nesta resolução dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina da jurisdição e, em grau recursal, do Conselho Federal de Medicina.

Este conteúdo não substitui o publicado na versão certificada.

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